
Quem percorre Boa Vista logo nas primeiras horas da manhã ou ao fim do dia, já percebeu que a corrida de rua dominou a cidade. O que antes era apenas um esporte praticado por atletas e alguns corredores de Roraima, hoje ocupa as avenidas, praças, estradas e pistas de todo o Estado. E em meio ao suor, adas e superações, um novo mercado ganhou espaço e se consolida: o da fotografia esportiva.
Com um olhar apurado, criatividade e muita disposição, fotógrafos locais transformaram o clique da linha de chegada em um negócio promissor e lucrativo. Um exemplo é Sóstenes Batista, 42 anos, ou melhor, Luquinha como é conhecido. Esse também é o nome da sua empresa, a Luquinha Fotografia RR. Fotógrafo há 16 anos, ele foi um dos pioneiros na fotografia de corrida em Roraima e viu a transformação do segmento da cobertura profissional de corridas acontecer de perto.
“Eu sou o primeiro no estado. Eu vim trazendo essa cultura para o estado fazendo fotografia. A nove anos atrás eu vinha com esse olhar, a gente tinha necessidade de fotógrafos empreenderem na corrida. Então, eu comecei a aprender, vi que era um ramo novo e até chamei os outros [fotógrafos] porque tinha muita gente na corrida. A gente viu um meio de fortalecer, até que hoje se tornou a minha principal renda.” conta Luquinha.
Luquinha também é corredor e integra o grupo Jabuti do Lavrado desde a criação, mas a prioridade dele é fotografar. O fotógrafo está praticamente em todas as corridas oficiais de Roraima. Cobre também treinos diários. Especialmente na Avenida Cap. Ene Garcez, um dos principais pontos de encontro dos corredores de Boa Vista.
“Venho cobrindo os treinos, todo dia de manhã e à tarde nos treinos na avenida Ene Garcez, a gente [os fotógrafos] fez um ponto ali. A pessoa que for treinar ali no aeroporto, a gente vai estar lá de manhã e de tarde. Então, onde a gente for, que tiver corrida de rua, as pessoas treinando, dá para você empreender.”, enfatiza o fotógrafo.
Quem também ocupa espaço nas pistas é Marcello Félix, 38 anos. O fotógrafo é um exemplo de inovação entre os empreendedores do segmento. Ex-gerente bancário e atleta de alto rendimento desde a adolescência, ele teve uma ideia enquanto disputava uma partida de tênis de mesa e era fotografado por seu amigo Jheimyson Alves, que hoje é seu sócio. Naquele momento, Marcello percebeu que queria estar do outro lado da lente. Foi assim que tirou o hobby do papel e deu início à carreira profissional na fotografia esportiva.
“Eu estava em um campeonato de tênis de mesa e reencontrei um amigo meu que estava filmando e fotografando o campeonato. Eu falei com ele: ‘ó, eu quero uma foto bonita’. Brinquei assim, aí no momento eu tive o estalo da ideia. Eu falei: ‘cara, por que a gente não fotografa esportes pela cidade e tenta vender de uma forma que as pessoas encontrem rápido as fotos?’. Dias depois eu criei o Instagram e nós começamos na Corrida 9 de Julho de 2024”, lembra Marcello, fundador do perfil no Intagram ClickSport.
Então eles uniram as áreas que mais tinham afinidade: a experiência de gestão empreendedora, a paixão por esportes e a fotografia. O resultado? Um modelo de negócio que hoje os leva para corridas em Manaus, São Paulo e, claro, em renomadas e disputadas provas de Roraima.
“Eu fui atleta, eu tenho uma outra visão do negócio. E eu acho que é isso que me diferencia. Eu deito a minha cabeça no meio-fio para pegar o momento certo, para pegar o céu, deixar esse ambiente bonito e aí as fotos começaram a ganhar vida, ganhar cores e deu certo”, observa Marcello.
Empreendedorismo, fonte de renda e inovação

Para o sócio, Jheimyson, a cobertura desses eventos se tornou uma fonte consistente de renda. Ele garante que há espaço para todos. “O mercado hoje é muito grande. Tem espaço para todo mundo. A gente consegue fazer uma grana boa pra conseguir se manter e comprar o que precisamos. Então é um mercado bem aquecido e tá crescendo cada vez mais.”, acrescentou.
Recentemente, a dupla de fotógrafos empreendeu mais uma vez de forma inovadora e se tornaram também os primeiros fotógrafos esportivos do estado a lançarem uma publicação digital própria das fotografias de corrida. Em junho deste ano, eles apresentaram ao público corredor e endorfinado a primeira edição da revista esportiva de Roraima, a ClickSport, uma publicação semanal que reúne as fotos destaques das corridas em Roraima, depoimentos e entrevistas exclusivas com os ganhadores do pódio e até conteúdo sobre empreendedorismo.
“A revista é a novidade do momento. A ideia nasceu do desejo de valorizar ainda mais o esporte local. É mais uma coisa que vai despertar o desejo de correr na galera que vai querer estar na próxima edição, não é? Porque a revista é bem legal. Tem pódio, histórias, tá muito boa. A revista organiza tudo isso em um só lugar”, compartilha animado já pensando na próxima edição.
Tanto Luquinha como Marcello e Jheimyson utilizam plataformas digitais já existentes para vender suas imagens. O processo é simples: após a corrida, as fotos são editadas e disponibilizadas online em uma plataforma digital, com preços a partir de R$ 7,00. Para fazer o , basta fazer o pagamento pela própria plataforma e adquirir a fotografia. A personalização e a qualidade, no entanto, fazem toda a diferença. Alguns corredores esperam ansiosamente pelos registros do Luquinha, ClickSportBR e outros fotógrafos.
Quando a fotografia vira espelho e incentivo para continuar

A fotografia de corrida também é uma impulsionadora de novos adeptos à atividade física. Isso porque a cada novo registro é possível perceber também algo que só quem está em busca de recordes de tempo e na luta contra a balança pode perceber: a melhora no desempenho e até o emagrecimento. É quando a imagem se torna um espelho do esforço e uma motivação emocional para continuar.
O cuidador de idoso, Irailton Oliveira, 39 anos, é exemplo disso. Ele começou a correr em janeiro de 2025 para emagrecer e hoje compra fotos de quase todos os treinos e provas que participa, não apenas como uma memória de sua trajetória, mas como uma forma de avaliar essa evolução.
“A foto nos ajuda a ver como a gente estava antes, como a gente está agora. Quem corre sabe até pela pisada, se está certa ou não. Podem achar que é uma simples foto de corrida, mas aquela foto ali, para um corredor, tem muita importância. Eu, quando olho as fotos fico feliz, não é? Eu fico alegre vendo que eu estou evoluindo fisicamente e mentalmente”, conta Irailton que já até perdeu as contas de quantas fotos já adquiriu.
Desde que iniciou no esporte, ele já perdeu 22 quilos, porém o que mais o emociona é uma imagem em particular que registra a primeira vez que conseguiu acompanhar a filha de 18 anos.
“Foi a primeira corrida que eu corri com a minha filha. Ela já corria e eu tinha esse sonho de correr com ela, então eu tenho até uma foto com ela que a gente bateu que eu falei pro fotógrafo quando eu tiver na volta, eu quero a minha foto assim. E na volta ele estava lá me esperando já pra eu bater essa foto que foi a primeira corrida que eu pude correr junto com a minha filha, nós dois juntos”, compartilhou emocionado ao relembrar deste marco em sua trajetória na corrida.
Um dos grandes meios de engajamento desta engrenagem de corridas em Roraima são os grupos de corrida. Já são mais de 20 no estado. Ricardo Rodrigues, fundador do grupo Jabuti do Lavrado e apaixonado por corrida de rua, reforça o papel das imagens no fortalecimento da comunidade esportiva no estado.
“Os fotógrafos aram a entender que eles poderiam ganhar com isso, em divulgar o esforço dos atletas. Os atletas querem se sentir visualizados, querem se sentir pessoas visíveis, importantes, mostrar que o treino e o resultado dependem do esforço, e que esse esforço precisa ser mostrado para a sociedade. Então o fotógrafo tem se tornado uma ponte porque com o aumento do uso das redes sociais, o fotógrafo se torna uma peça fundamental que leva o corredor de rua até as redes sociais e vice-versa”, avaliou Ricardo, que também é um cliente dos fotógrafos e compartilha suas melhores fotografias correndo em suas redes sociais.
O grupo Jabuti do Lavrado nasceu com três integrantes e hoje, nove anos depois, ultraa dois mil atletas espalhados pelo estado. Um dos pilares do crescimento foi justamente a inclusão. Segundo Ricardo, há espaço para crianças, idosos, pessoas obesas, PCDs e todos que desejam se desafiar no esporte. De acordo com Ricardo, os corredores, profissionais ou amadores, encontraram no grupo um espaço para se sentir pertencentes, como em uma família.
“Isso acaba atraindo uma parcela muito grande da população que entende que a corrida de rua não é só para quem está no pódio, mas para todos. A corrida de rua é aquele esporte em que eu, Ricardo, com 40 anos, corro com a minha mãe, de 63. Que uma criança de oito anos participa do mesmo evento que o seu pai, de 40”, destaca Ricardo.
O negócio que conecta público com as marcas
Na era das redes sociais, a palavra do momento é conexão. E nada melhor que uma boa fotografia para fazer isso. Aliás, uma imagem vale mais do que likes e os fotógrafos de corrida se tornaram peças fundamentais nesse movimento em busca de qualidade de vida e superação.
E, nesse novo mapa da economia criativa em Roraima, com a visão empreendedora certa, a fotografia esportiva se firmou como ponto de conexão entre saúde, marca e renda. Gilmar Schramm, empresário à frente da Vagalume Eventos Esportivos, organiza cerca de 50 corridas por ano. Para ele, a presença dos fotógrafos nas ruas vai além do registro, é uma parte fundamental da experiência e divulgação dos eventos.
“Quando você tem um fotógrafo, você tem uma imagem que vai ser revelada e postada nas redes sociais. Por trás disso, vem uma empresa de camiseta que quer ver a galera vestida com aquela camiseta; o cara que vende tênis, que ele quer vender a marca que ele comercializa exposta; o cara que vende óculos e quer ver o corredor usando a marca. Impulsiona até quem vende água mineral. Então é assim que a fotografia impulsiona o mercado”, avaliou o empresário, ao lembrar que toda empresa que produz eventos esportivos precisa estar atenta também à segurança dos corredores e entender como o mercado funciona.
Algumas empresas já perceberam o potencial dos eventos de corrida para fortalecer o engajamento entre comunidade e marca. É o caso do Grupo Nova Era, que em sua 3ª edição da Corrida Nova Era, já contabiliza resultados positivos que vão muito além do valor financeiro. O principal ganho é no relacionamento de fidelização com a comunidade. Conforme a gerente de marketing do grupo, Viviane Cavalcante, a corrida é uma oportunidade da marca investir em experiências e reforçar valores.
“A Corrida Nova Era surgiu dá ideia de aproximar a marca do consumidor. E principalmente reforçar o grande objetivo que a marca tem de incentivar os hábitos de saúde e isso não a somente pelo evento, mas também pelas ações sociais que a gente faz dentro da loja justamente para incentivar cada vez mais o consumidor a se movimentar”, explicou Viviane ao se referir ao projeto Nova Era em Movimento que também promove aulas de zumba e fitdance para os colaboradores do grupo.
Mais do que um registro visual, a fotografia faz parte da experiência. E para quem promove as corridas, a presença dos fotógrafos soma em muitos aspectos. “É uma grande parceria, porque eles divulgam também o nosso trabalho, o nosso evento, a emoção de estar ali naquele momento. São histórias diferentes, são momentos únicos para cada atleta e fotógrafo que está participando. Enquanto a gente promove um espaço para que eles ganhem essa renda, eles registram a história, um momento único. E isso diz muito sobre a experiência e, lógico, atrelado a incentivar que esse trabalhador consiga captar uma renda, também faz parte do nosso propósito como marca”, assegurou a gerente de marketing.
Fomento à corrida de rua
Quem também está com o radar conectado neste movimento esportivo é o Sebrae Roraima. Desde 2024 a instituição realiza duas corridas por ano, uma na capital e outra no interior. Até o momento, já foram promovidas duas edições em Boa Vista, uma em Rorainópolis e a mais recente em São Luiz do Anauá. E além do incentivo a corrida, o Sebrae aproveita a oportunidade para integrar marcas e parceiros, como os fotógrafos, que estão desde a largada das corridas até a linha de chegada registrando tudo.
“Eu vejo hoje como um mecanismo de mídia muito forte. Hoje, os profissionais de fotografia têm na mão a oportunidade de conectar público e marcas. Não à toa a gente tem um monte de empresa, um monte de negócio fazendo corrida. Então o Sebrae entende que é um movimento econômico. Então não tem como ele ficar de fora disso”, explica Wharlison Aguiar, gerente da Unidade de Gestão de Projetos Especiais do Sebrae de Roraima.
Para estimular ainda mais os empreendedores da economia criativa, o Sebrae tem programas específicos voltados a estes profissionais, que incluem designers, videomakers e os fotógrafos para participar de cursos de capacitação, consultorias e o a feiras de eventos regionais e nacionais. A intenção é transformar talento em negócio.
“Sair daqui de Roraima e ir pegar um pouco mais de experiência fora do estado. O Sebrae vê a corrida como um movimento de mercado, mas que vai além do negócio, de fazer dinheiro, caixa e receita. Preza também pela saúde do empreendedor que a gente tanto olha e quer cuidar”, destacou Wharlison.
Nas últimas edições da Corrida do Sebrae, cerca de 12 empresas participaram como marcas patrocinadoras, desde empresários do agronegócio ao setor de serviços. O plano agora é ampliar esse impacto, fomentando inscrições por CNPJ e premiando empresas que levem seus times para correr.
“A gente vai criar algumas condições e premiações voltadas para que o empreendedor se inscreva com o seu time. Nós não queremos somente o líder, nós queremos o negócio. O Sebrae tem pensado em práticas para que a gente possa ter os times das empresas dentro dos nossos eventos e a imagem disso tudo precisa estar bem registrada”, adiantou Wharlison ao contar que os empreendedores devem ficar atentos às mídias do Sebrae para não perder a ocasião que une corrida e negócios.
O movimento da fotografia de corrida fortalece o futuro
Ainda não há um levantamento completo do impacto econômico do movimento das corridas em Roraima. Mas, independentemente dos números, o que se sabe é que muitas empresas e profissionais já enxergam essa oportunidade como um espaço para difundir suas marcas, conquistar clientes e empreender aqui e no futuro. Para a economia criativa, a chance de fazer da arte da fotografia um negócio que une beleza, superação e renda.
Nas ruas de Roraima, a fotografia não é apenas estética, é prova de esforço físico e emocional, um estímulo para continuar. E, sobretudo, é um negócio promissor porque o que antes era apenas um registro solto, hoje se transforma em álbuns digitais e até capas de revistas. A fotografia esportiva se consolidou como parte inseparável da trajetória de quem corre. Seja por saúde, superação, estética ou pertencimento.
E ninguém melhor para simbolizar esse movimento do que três nomes que foram decisivos para esta reportagem: Marcello Félix e Jheimyson Alves, da ClickSoportBR e criadores da revista digital ClickSport – A revista esportiva de Roraima, assim como Luquinha (Sóstenes Batista), um dos pioneiros da fotografia de corrida no estado.
Ser empreendedor é enxergar o óbvio que ninguém vê e ter coragem para tornar isso um negócio inovador. Ousadia que Marcello teve de sobra ao unir empreendedorismo e criatividade e levar a fotografia esportiva local a um novo patamar com ângulos inéditos, edições refinadas e uma revista que tem tudo para se tornar referência entre corredores e empresas ligadas ao segmento.
“Então, assim, querendo ou não, isso [fotografia] motiva as pessoas a saírem de casa naquele dia e cumprir a sua disciplina na área diária, que é do exercício físico, da atividade física. Isso ajuda também a galera”, conclui Marcello.
É a sensibilidade de Jheimyson que leva a fotografia como uma missão de eternizar momentos e emocionar quem cruza a linha de chegada. É fazer do trabalho a própria vida. “Isso aqui pra mim é essencial, não deixa de ser um trabalho, mas é o que eu gosto de fazer: fotografar as pessoas. A gente consegue proporcionar para elas a experiência de ela se sentir viva, se sentir bem. Então isso aqui pra mim é especial. É tudo que eu tenho”, disse enquanto mirava o próximo o para eternizar.
E foi a persistência silenciosa de Luquinha, com suas madrugadas em claro, sua rotina de coberturas diárias, que contribuiu para firmar as bases desse novo mercado onde a foto torna a memória cada sorriso e suor capturado. Aliás, superar-se a si mesmo é um prêmio que vale mais que qualquer pódio.
“A fotografia hoje é tudo para mim. É meu sustento e uma paixão que começou há 16 anos, e a gente está aí levando. E a gente vai incentivando as pessoas. É muito bom. Muito bom participar do esporte, incentivar de alguma forma”, relata o corredor e fotógrafo pioneiro.
Eles compartilham mais do que talento, mas a coragem de acreditar que sempre há um novo universo a desbravar e recomeçar. Carregam a visão capaz de transformar momentos, sejam de vitória ou adversidade, em memórias eternas e rentáveis. São a prova de que, para quem empreende na fotografia de corrida, não é preciso cruzar a linha de chegada em primeiro lugar. O valor está em correr ao lado, acompanhando cada movimento, traduzindo esforço em emoção, impulsionando marcas, gerando renda e criando uma nova cultura através da fotografia.
Por Beatriz Prill